Nos anais da cultura...
Começando esse quadro com chave de ouro, mostrar - lhes - ei um texto da sagaz Fernanda Young em que ela expõe sua relação de amor e ódio( mais ódio) com suas próprias nádegas.
À bunda
Olha, desta vez você passou das medidas. Só não boto você para fora, agora, porque é a sua cara dar escândalo.
Estou cheia de você atrás de mim o tempo todo. Fica se fazendo de fofa,
enquanto, pelas minhas costas, chama a atenção de todo mundo para meus
defeitos.
Você está redondamente enganada se pensa que eu vou me rebaixar ao seu
nível – o que vem de baixo não me atinge. Mas faço questão de desancar
essa sua pose empinada.
Por que nunca encara as coisas de frente?
Fica parecendo que tem algo a esconder. Por acaso, faz alguma coisa que ninguém pode saber?
Você é, e sempre foi, um peso na minha existência – cada papel que me
fez passar... Diz-se sensível e profunda, mas está sempre voltada para
aquilo que já aconteceu. Tenho vergonha de apresentar você às pessoas,
sabia?
Por que você nunca encara as coisas de frente, bunda? Fica parecendo
que, no fundo, tem algo a esconder. Por acaso, faz alguma coisa que
ninguém pode saber? O que há por trás de todo esse silêncio?
Você diz que está dividida e que eu preciso ver os dois lados da
questão. Ora, seja mais firme, deixe de balançar nas suas posições.
Longe de mim querer me meter na sua vida privada, mas a impressão que dá
é que você não se enxerga. Porque está longe de ter nascido virada para
a lua e costuma se comportar como se fosse o centro das atenções.
Bunda, você mora de fundos, num lugar abafado. Nunca sai para dar uma
volta, nunca toma um sol, nunca respira um ar puro. Vive enfurnada, sem o
mínimo contato com a natureza. O máximo que se permite é aparecer numa
praia de vez em quando, toda branquela.
Não é de admirar que esteja sempre por baixo. Tentei levar você para
fazer ginástica, querendo deixar você mais para cima, mas fingiu que não
escutou.
Saiba que você não é mais aquela, diria até que anda meio caída. E vai
ter que rebolar para mexer comigo, de novo, da maneira que mexia.
Lembro do tempo em que eu, desbundada, sonhava em ter um pouquinho mais
de você. Agora, acho que o que temos já está de bom tamanho. E, pensando
bem, é melhor pararmos por aqui antes que uma de nós acabe machucada.
Sei que qualquer coisinha deixa você balançada, então não vou expor suas
duas faces em público. Mas fique sabendo que, se você aparecer,
constrangendo-me diante de outras pessoas, levarei seu caso ao doutor
Albuquerque.
Lamento, isso dói mais em mim do que em você, mas você merece o chute que estou lhe dando. Duplamente decepcionada,
Fonte: http://claudia.abril.uol.com.br/materias/2676/?sh=25&cnl=5
Pedro Hiago S. Marques - A cornucópia de bobagens.
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